- Cinco... seis...
Desde que tinha consciência, o maior passatempo de Fubuki era observar. Observar as mudanças acarretadas pelo tempo, observar o ciclo natural da vida ou, mesmo, observar corvos sobrevoando os céus cerúleos do País das Ondas. As pedras lunares seladas em seus globos oculares não deixavam qualquer detalhe passar. Eles engoliam qualquer aspecto daquilo que estava sendo observado ao ponto que, ao fechar os olhos, o jovem Hyuuga era capaz de recriar perfeitamente a mesma paisagem em sua mente.
- São sete. Sete corvos.
O ato de observar, entretanto, nem advinha somente dos olhos. A observação acontecia com o corpo todo, através de todos os seus sentidos. O tato recriava as sensações. A audição recriava os sons. O olfato recriava os odores. Já o paladar recriava o gosto do medo que já lhe era deveras familiar. Aprender a observar intensamente com o corpo todo fez com que Fubuki dependesse cada vez menos de seus olhos, de seu Byakugan. Dessa forma, menores eram as chances de sua observação falhar.
Como havia falhado, anos atrás.
Quando enviado em missões, a função mais recorrente atribuída a Fubuki era a de localizar, a de ver. A de observar. Seu Byakugan lhe concedia uma visão perfeita em quase 360º e quilômetros de extensão, então era obvio que o rapaz era o mais requisitado para o papel. Mas mesmo que todos contassem com ele, seus olhos falharam no que seria a batalha mais importante de sua vida. Masumi, que havia roubado a alma de Shiori, um de seus amigos mais queridos e irmão de seu melhor amigo, havia conseguido escapar. A Fubuki tinha sido atribuída aquela que talvez fosse a parte mais da missão: sequestrar Masumi e fazê-la devolver a alma do Uchiha mais novo. Entretanto, seus olhos brancos que tudo viam, naquele momento, viam somente a escuridão.
Apesar de tudo parecer extremamente nublado e distorcido para ele naquela manhã, o rapaz se lembrava com detalhes de tudo o que havia acontecido. De como viu seus amigos caírem, um por um. De como viu eles se levantarem e não se darem por vencido. Lembrava-se, claramente, de como o pânico adentrou suas veias e tomou posse de seu corpo quando perdeu Masumi de vista. Lembrava-se da sensação gélida que a lâmina da sua própria kunai causava em seu pescoço.
Ele se lembrava da vontade de morrer que rondava sua alma.
Após a destruição completa da vila nas mãos dos terríveis Caminhos de Gouki, a imagem que Fubuki mais arreceava-se havia se tornado realidade: todos os seus amigos esmagados, completamente derrotados nas mãos do inimigo. Havia lutado a sua vida toda para distanciar aquela imagem da realidade, mas mesmo assim... aconteceu. No fim das contas, graças a Garuda, sua fiel invocação, Fubuki era o único a estar de pé.
Ele tremia, ele sentia mais medo do que nunca havia sentido. Seu oponente tinha os poderes de um Deus. Mas mesmo com a sensação de morte em seu peito, mesmo com sua mente feita em estilhaços e mesmo que não se achasse o suficiente, Fubuki se pôs de pé, sozinho, encarando o exército de Caminhos de Gouki. Proteger aqueles que amava era mais importante do que sua própria vida e do que sua vontade de estar morto.
Sempre.
De cima de uma árvore em uma floresta do País das Ondas, Fubuki mantinha seus olhos fixos no céu, observando os corvos que pertenciam a Shiori. O som ríspido de uma kunai cortando o vento, mesmo que baixo, chamou-lhe a atenção. Mesmo sem vê-la, sabia de onde vinha e para onde estava indo. E não precisou mais do que um movimento com o braço que repousava sob sua testa para segurá-la pelo cabo, bloqueando seu avanço. Nem mesmo isso tirou seus olhos dos céus.
- Tá na lua, ô cabeça de vento?
A voz ríspida, porém idêntica a sua, de Atsuya finalmente fez com o caçula tirasse os olhos do céu e passasse-os para seu irmão. Ao olhá-lo de cima a baixo, perguntava- se em que momento de sua vida havia se acostumado com aquilo, se é que havia. Seu irmão reencarnara em seu próprio corpo. Não importava quantas vezes repetisse isso, a estranheza não diminuía em nada. Naquele momento, Atsuya possuía o corpo de um dos clones de Fubuki e levava em suas costas uma mochila farta de coisas. Seus amigos haviam pedido para que ele comprasse alguns mantimentos para seu mais novo "lar", mas Atsuya se voluntariou de imediato, o que causou uma estranheza em Fubuki.
- Você comprou só isso, Atsuya? - perguntou de forma tranquila e livre de julgamentos. Era apenas uma dúvida.
- Nah, isso aqui na mochila não dá nem pra uma semana. Eu comprei mais coisa, enfiei tudo em alguns pergaminhos. - o caçula saltou do alto da árvore, pousando delicadamente no chão, fazendo com que um dos braços se desprendesse de seu quimono branco e revelasse uma camiseta preta com detalhes em vermelho. Fubuki amava quimonos, enquanto Atsuya detestava. A forma que os dois encontraram para conciliar seus gostos em um só corpo havia sido aquela: um belo quimono sobre uma camisa de botões. A diferença entre eles era nítida, também. Atsuya deixava vários botões de sua camisa abertos, revelando o peitoral musculoso, enquanto Fubuki os mantinha fechados até o topo. Os cabelos de Fubuki deitavam-se sobre sua testa, enquanto os de Atsuya eram arrepiados para cima. A face de Fubuki era serena e sem muita expressão, já a de Atsuya era um misto de sentimentos intensos difíceis de se definir.
Mesmo que partilhassem o mesmo corpo e fossem gêmeos antes da morte de Atsuya, os dois eram extremamente diferentes em tudo. Coisa que o pai deles sempre fez questão de pontuar.
Assim que o pensamento de seu pai veio a cabeça, Fubuki afastou-a com força ao mesmo tempo que um dos corvos de Shiori se aproximava e pousava em seu braço.
Este homem trás maus presságios.
- Esse é o sinal, né não? Hora de encontrar a cambada. - Atsuya lançou a mochila para o irmão que a agarrou pela alça um pouco desastrado, desaparecendo em fumaça.
- Bem, vamos l...- as memórias de Atsuya enquanto em posse de seu clone atingiram sua mente. - ... eh!? - As bochechas de Fubuki se tornaram vermelhas. Atsuya havia flertado com algumas garotas e garotos da vila enquanto em posse do corpo de Fubuki. - ATSUYA![- Fubuki bradou no plano mental compartilhado pelos irmãos, mas ele havia se escondido em algum outro canto de sua mente. Fubuki suspirou, com as bochechas ainda rubras. Compartilhar aquele apartamento era complicado. Nos últimos anos, os irmãos estabeleceram algumas regras de convívio para otimizar aquela situação não familiar. Não flertar era uma das regras. Mas Atsuya tinha suas necessidades e nunca foi lá muito bom em seguir regras.
Quando se preparou para caminhar em encontro de seus amigos, algo chamou a atenção de Fubuki nos céus.
- Oh... eram oito.
A tarde passou como um lampejo, bastando um piscar de olhos para que Fubuki se encontrasse sentado ao redor de uma mesa junto de seus amigos. Sentou-se ao lado de Shiro e pediu apenas um chá. Nunca foi de beber, diferente do irmão que adorava o gosto do álcool. O mais velho sempre brincava dizendo que, se não fosse morrer no processo, beberia todo o álcool que se encontrava na cozinha. Aqueles de limpeza.
Sua bebida chegou um pouco antes das outras, mas mesmo assim esperou a de todos chegar para começar a beber. O silêncio entre eles não o incomodava mais. Fubuki sentia que cada momento que passava com seus amigos era especial e inesquecível. Por isso, ficava em silencio junto a eles e ria da mesma forma. Para ele, tudo era válido contanto que estivesse com eles.
- ... eh? - notou o copo que o Uchiha mais velho havia empurrado para sua frente. Seus olhos alternavam entre a bebida e o moreno, como se estivesse tentando desvendar o objetivo por trás daquilo. Podia sentir o cheiro de álcool mesmo a distância, o que o deixava zonzo. - Shiro-san, eu não bebo...- falou baixo em um tom quase infantil. Ergueu seu copo de chá e empurrou delicadamente o de Shiro para a pessoa ao seu lado na mesa, Amane.