Às vezes, quando Shiori fechava os olhos, ele se lembrava de estar naquele lugar de novo. Era completamente vazio e escuro. Não sentia dor, sede ou fome. Seu corpo físico não existia mais, apenas a sua mente vagava pelo infinito vácuo. O desespero tomava conta de si; o que aconteceu? Onde estava? O que houve com seus companheiros? Queria sair dali, voltar para casa. Não queria ficar sozinho, não queria ser abandonado, não queria ser esquecido. Por que estava ali? Era a sua punição por todos os crimes que cometera nos últimos anos? Uchiha Shiori estava completamente perdido e sem qualquer possibilidade de salvação.
Quando abriu os olhos, viu-se novamente em meio à floresta, o que o acalmou por um momento. Apesar de já terem se passado três anos, aquela estranha experiência ainda lhe assombrava. De acordo com Arisu, Shiori havia passado uma semana inteira morto, devido a ter a sua alma absorvida pelo Caminho Humano de Gouki. Apesar disso, o Uchiha mais novo ainda não achava que aquilo fosse o pós-vida. Acreditava que, para seres humanos desprezíveis como ele mesmo, o Mundo dos Asura, os esperava; era o plano do pós-vida onde todos as pessoas lutavam pela eternidade, revivendo a cada vez que eram mortos, apenas para continuar guerreando e derramando sangue em um embate sem fiz. Porém, Shiori não podia morrer tão cedo. Não que tivesse algum sonho que quisesse realizar. Há muito tempo seus desejos para o futuro eram nublados. Pelas vidas que tirou, pelos seus amigos e, principalmente, pelo seu irmão. Não podia, de forma alguma, deixar Shiro sozinho. Ele já carregava fardos demais, demônios demais. Não podia deixar de viver, precisava ficar ao lado do seu irmão até o fim.
"Onii-sama isso, onii-sama aquilo! Que irritaaaaante!"
Dessa vez, quando fechou os olhos, Shipri estava em um espaço diferente. Era um quarto quase inteiramente vazio, com o piso coberto com tatame. Penduradas nas paredes, estavam várias espadas, algumas de bambu e outras de verdade, além de shuriken e outras armas ninja. Sentado à sua frente, tinha um rapaz que idêntico a si; mas apenas na aparência, porque na verdade, por baixo daquele disfarce, estava o demônio que o atormentava há anos.
— O que você quer, Kagutsuchi? — perguntou Shiori, sem muita paciência.
"Eu só queria conversar um pouco, é tão chato aqui" respondeu, se aproximando e envolvendo os ombros do Uchiha com os braços esguios. "Eu estou com fome. Você sabe do que preciso. Abra o seu coração para mim, me deixe entrar só um pouquinho, e vou te mostrar algo que nunca esquecerá"
— Como a morte da minha família pelas minhas próprias mãos? Tenho certeza que seria algo memorável — sugeriu, sem olhar para o demônio. Apesar disso, pôde ouvi-lo lambendo os lábios.
"Você sabe exatamente do que eu gosto" ele riu baixo, mas realmente satisfeito. "Você sabe exatamente do que eu gosto. É quase um demônio como eu."
Apesar do comentário, aquilo não abalou Shiori. Kagutsuchi não estava dizendo nenhuma inverdade. O incomodava, mas deixara de se importar. Se fosse necessário, não deixaria que aquele demônio o possuísse. Shiori finalmente voltou o olhar para Kagutsuchi. A íris, que antes era inteiramente negra, agora era decorada com o padrão que parecia uma estrela de cinco pontas, com as extremidades torcidas. Era o Mangekyo Sharingan.
— Eu já sou um demônio. Não preciso que faça nada por mim — disse, um pouco mais sombrio do que de costume, o que pareceu chatear Kagutsuchi, se é que ele tinha sentimentos para ficar assim. — Vamos comer. Também estou com fome.
A barriga roncando foi o primeiro som que ouviu quando retornou para a densa e úmida floresta no País das Ondas. Apesar de ter comida guardada em seus pertences, aquela fome era diferente; tinha fome de sangue. Quando Shiori realizou o contrato com Kagutsuchi, cerca de seis anos atrás, se ficava tempo demais sem alimentar a espada com sangue, o Uchiha era afligido por uma fome incontrolável. Quando isso acontecia, não importava o quanto comesse, apenas se saciava com sangue de seres vivos. E era exatamente por isso que havia se separado dos seus amigos. Era vergonhoso ter que sucumbir aos desejos daquele demônio, mas havia feito a sua escolha. Para proteger quem era importante, Shiori precisava de poder, mesmo que viesse em troca da própria sanidade.
— Melhor não perder mais tempo aqui.
Andando pela floresta, Shiori não demorou muito tempo para encontrar os seus alvos. Eram lobos, uma alcateia inteira. Assim que o Uchiha, despreocupado, se aproximou dos animais, os enormes canídeos o cercaram, rosnando raivosamente e mostrando as presas. A verdade era que Shiori odiava cães. Desde que enfrentara I.N.U, um ninja de Iwagakure que utilizava Ninkens e uma invocação que era um cachorro gigantesco com várias cabeças, Shiori passara a repudiar aqueles animais asquerosos. E era por isso que aqueles eram o lanche perfeito. Em poucos segundos, Shiori estava em pé sobre um monte de cadáveres de lobos, mas apesar de recém mortos, todas as carcaças estavam secas. Após matá-los, para aliementar a espada, deixava-a absorver todo o sangue de seu alvo para abastecer-se.
"Sangue de cachorro não é bom" ouviua reclamação do demônio na sua mente.
— Eu sei. É nojento — concordou antes de chutar a carcaça vazia de um dos lobos e voltar a caminhar pela floresta.
Depois de algum tempo de caminhada, e utilizando do Sharingan para guiar-se, finalmente encontrou Shiro próximo de um riacho. Seu irmão parecia sombrio e inabalável como sempre, como um verdadeiro general. Apesar de saber que era desnecessário, Shiori não conseguia deixar de chamá-lo de forma respeitosa. Sempre fora assim com os seus familiares mais velhos e talvez não conseguisse mudar tão cedo.
— Onii-sama, estou pronto — disse, se certificando de que estava no campo de visão do seu irmão para que ele pudesse lê-lo.